É preciso mais literacia ambiental

Na última década, muita informação tem sido veiculada sobre a temática ambiental em diversos canais. 

As crianças começam desde cedo com a mensagem de "proteger o planeta" e "reciclar" na escola, quer nas atividades diárias, quer nos tempos livres. As marcas dos produtos infantis, brinquedos, vestuário ou mesmo brinquedos acompanham esta tendência, com slogans e frases alusivas à proteção do planeta ou por serem "amigas do ambiente". Há até quem diga que «o Ambiente está na moda». 

A abordagem ao tema prossegue nos media tradicionais, nas plataformas digitais, ou mesmo com a oferta diversificada de documentários sobre a vida animal, sobre as alterações climáticas, sobre a poluição ou o desperdício. As redes sociais são um território também muito explorado, aproveitando as mentes mais sensíveis ou os jovens mais motivados a seguir marcas, campanhas ou até influencer's que se dedicam a abordar este tema.

Não diria que seja negativo, muito pelo contrário. Esta "moda" é claramente "o" momento que temos de aproveitar para esclarecer e informar, porque há uma grande diferença entre "informação ambiental" e "conhecimento ambiental". Talvez por isso é que, apesar de existir imensa informação ambiental, as pessoas e as organizações continuem a cometer os mesmos erros durante décadas, a consumir e a levar a sua vida como se os seus atos fossem inócuos para o Planeta e para a Humanidade. 

Numa década onde a movimentação social tem sido marcada, também, pelas questões ambientais, com manifestações e compromissos globais, todos queremos parecer "verdes", sem na prática sermos "verdes". Não há político, gestor empresarial ou figura pública que não inclua nos seus discursos ou abordagens, uma das seguintes palavras: sustentabilidade, economia circular, alterações climáticas, aquecimento global, descarbonização, reciclado, reciclagem, descarbonizar.

Cada vez mais verificamos uma preocupação das marcas para em que os produtos utilizarem qualquer uma destas palavras: ecológico, amigo do ambiente, verde, sustentável, reciclado, 100% reciclável, biodegradável. É uma espécie de código para o consumidor que procura ser ambientalmente mais consciente. Mas saberão estes consumidores o verdadeiro significado destas palavras? E saberão as empresas o que significa cada uma destas classificações? Qual o verdadeiro impacte destes produtos ou das suas embalagens? 

Não existe produto ou serviço que não possua impacte ambiental. A designação de "zero resíduo", "zero desperdício" ou "zero Impacte" é claramente uma utopia em matéria de sustentabilidade ambiental, o que nos leva a pensar se não será perverso o seu uso, em termos de comunicação, na medida em que é passada uma mensagem de algo ser o que na prática não é! 

Mas nesta busca pela tal "coloração verde", em que procuramos uma vida livre de excessos, optando por produtos "sustentáveis", acabamos por adotar práticas logo erradas de princípio. Deitamos fora o que temos em casa para comprar todos os produtos que nos pareçam "sustentáveis", naquelas lojas "eco" e isso faz-nos sentir que desta forma estamos a diminuir a nossa pegada ecológica. O que deitámos fora, que em muitas situações estava em bom estado, não será reutilizado, na maioria das vezes nem será reciclado, acabando por ser descartado e contribuir para as taxas da produção de lixo. O que comprámos, por vezes, é produzido a km de distância de Portugal, com processos sem as mesmas exigências da proteção ambiental europeias e que, na maioria das vezes, nem se conseguem reciclar ou compostar, após terminar a vida útil. Aquelas coisas que deitámos fora, poderiam ser a solução "sustentável" que precisávamos, desde que fossem usadas de forma mais adequada, evitando mais consumo e mais produção de lixo, prolongando a vida útil desses produtos.

Vejamos por exemplo o bambu. Sabe onde colocar uma escova de dentes de bambu, após o términus a vida útil? No ecoponto? Não pode! No compostor para biorresíduos? Não pode! Na prática, esta escova deve ser colocada no contentor cinzento, o do lixo indiferenciado (lixo comum), que segue o mesmo destino dos outros resíduos que não separamos. 

É uma surpresa quando entramos no mundo destes produtos "verdes". Fazer uma visita pelo supermercado ou hipermercado e observar os produtos que apresentam os rótulos "Eco", "Verde" ou "sustentável" é um verdadeiro desafio. Ás vezes, esta falta de conhecimento leva a que muitas empresas adotem "Políticas Verdes", que parecem ecológicas, mas na prática não o são. Estas políticas são fáceis de analisar por quem tem o "conhecimento ambiental". É como um nutricionista ou um médico observar os produtos que se apresentam como "light" ou "zero açúcar" e conseguir perceber que o açúcar está lá, mas com outro nome. 

Este conhecimento ambiental é urgente, chamamos-lhe "literacia ambiental" e é inclusive um dos objetivos da Estratégia Nacional de Educação Ambiental (ENEA). Após anos de educação e informação ambiental, foi identificada que a nossa sociedade carecia desta falta de "literacia ambiental", a ferramenta que permite dotar a população do conhecimento sobre o tema, que seja capaz para exercer uma cidadania mais inclusiva e visionária das situações e dos problemas, e capaz de garantir a mudança do paradigma social. Esta mudança será feita no dia-a-dia, com o diagnóstico e escolha por opções mais sustentáveis, em todas as dimensões da atividade humana.

A literacia ambiental é a ferramenta que as civilizações deveriam apostar para fazer a mudança, para preparar aliados capazes de garantir a transformação necessária, para se conseguir obter os resultados esperados, necessários e visíveis para a mudança ambiental que tem que ser local para que os resultados sejam globais. 

Já dizia Francis Bacon, "O conhecimento é em si mesmo um poder". É esse "poder" que tem que ser transmitido a cada pessoa, em qualquer geração, em qualquer etapa da sua vida, pessoal e profissional. Quando já se possui esse conhecimento (essa literacia ambiental) é criada em cada pessoa uma espécie de formatação para o tema, como que uma mudança de "chip", porque para além da informação sobre os problemas ambientais, é lhes dado a informação sobre o efeito de determinadas ações no Planeta e na Humanidade. A pessoa começa a olhar para as situações com o "filtro da sustentabilidade". Para quem possui este conhecimento, tornam-se fácil identificar os gritantes chapéus "verdes" que são colocados em determinados produtos ou serviços.

Estas perguntas que vos lanço é com o intuito de vos motivar a procurar este conhecimento e garantir que esta capacitação vos conceda este "poder" de serem mais críticos e exigentes com aquilo que vos é "vendido", conseguindo ver o que os produtos são na prática. Desta forma, irão claramente identificar o que precisam ou não precisam de ajustar no vosso quotidiano e verificar que alguns hábitos ou conselhos das gerações mais velhas eram sábios. Irão confirmar que não precisam de comprar todos os produtos sustentáveis, mas sim adotar os hábitos sustentáveis com os produtos que têm em casa. Esse poder irá ser a vossa bússola para a sustentabilidade, e conseguirão reconhecer facilmente aquelas situações que estão a ser "verdejadas". 

Carmen Lima, janeiro 2023


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